O extermínio silencioso que apagará um símbolo do Brasil do mapa

Um ícone da cultura nordestina, o fiel companheiro do sertanejo, está sendo caçado e abatido em um ritmo tão brutal que seu desaparecimento completo é uma questão de poucos anos. Não, isso não é um exagero.
O jumento, animal que por séculos carregou o peso do progresso e da sobrevivência no semiárido brasileiro, está no corredor da morte. E o mandante desse extermínio está a milhares de quilômetros de distância, movido por uma demanda insaciável.
A situação é tão crítica que especialistas e ativistas soam o alarme: se nada for feito, poderemos ser a geração que verá o último jumento em solo brasileiro.
A imagem do animal caminhando pelas estradas de terra, presente no nosso folclore, na música e na literatura, pode em breve se tornar apenas uma memória empoeirada. Contudo, por trás dessa ameaça existe uma cadeia cruel e extrativista, que enriquece poucos à custa de um verdadeiro massacre.
O mais chocante é que, enquanto o Brasil assiste passivamente, o número de animais despenca de forma vertiginosa.
Estamos falando de um declínio que desafia a lógica e que revela uma exploração predatória sem precedentes. Mas o que está impulsionando essa matança desenfreada e por que o relógio está correndo tão rápido contra um dos maiores símbolos da resiliência brasileira?
O culpado: uma gelatina que vale mais que ouro
O grande vilão dessa história tem um nome exótico: “ejiao”. Trata-se de uma gelatina feita a partir do colágeno extraído da pele do jumento, um produto extremamente valorizado na medicina tradicional chinesa por supostas propriedades rejuvenescedoras e terapêuticas.
A demanda da China é tão colossal que o país já dizimou sua própria população de jumentos e agora busca os animais em outras partes do mundo, principalmente na África e, de forma devastadora, no Brasil.
O problema é que a atividade no Brasil é puramente extrativista. Não existem criadouros comerciais de jumentos para esse fim, pois sua reprodução é lenta, com uma gestação que dura cerca de 12 meses.
O que acontece é uma caça desenfreada: os animais são capturados no sertão, muitas vezes de forma ilegal ou comprados por valores irrisórios de pequenos agricultores, e levados para abatedouros, principalmente na Bahia, onde o destino final é a exportação para a China.
Veja mais: Perfumes baratos que viraram queridinhos das brasileiras
Os números do apocalipse nordestino
Os dados são de arrepiar e mostram a velocidade da extinção. A população de jumentos no Brasil, que já foi de mais de 1,3 milhão de animais, hoje não passa de 78 mil, segundo as estimativas mais recentes.
É uma queda brutal de mais de 90% em poucas décadas. A continuar neste ritmo, a previsão é que não haverá mais jumentos no país em menos de 10 anos.
- Demanda global: A procura mundial por ejiao subiu 160% em apenas cinco anos.
- Abate mundial: Mais de 5,6 milhões de jumentos foram abatidos em 2021 para suprir esse mercado.
- Projeção sombria: A estimativa é que esse número suba para 6,8 milhões de abates anuais até 2027.
Veja mais: Cirurgias plásticas proibidas no Brasil existem e você precisa saber
Mais que um animal, uma cultura que se esvai
A iminente extinção do jumento não é apenas um desastre ambiental, mas também uma tragédia social e cultural. Em muitas comunidades rurais do Nordeste, o animal ainda é essencial para o transporte de água e de produção agrícola, garantindo a subsistência de famílias inteiras.
Sua ausência representa um golpe profundo na resiliência dessas populações.
Além disso, estamos falando do apagamento de uma parte viva da identidade brasileira. O jumento é personagem de Luiz Gonzaga, está nos versos de Patativa do Assaré e nas obras de arte que retratam o sertão. Sua perda significa silenciar uma parte da nossa história.
Embora uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) tenha suspendido o abate em 2022, a fiscalização é falha e a pressão econômica continua, mantendo o futuro do “jegue” por um fio. A batalha para salvá-lo é uma corrida contra o tempo.