Sua estante de livros é uma farmácia e o remédio pode ser fatal

Quem ama ler conhece bem a sensação: o mundo lá fora pode estar desabando, mas, ao abrir um livro, você é transportado para outra realidade. É uma fuga, um consolo, uma companhia para as horas mais solitárias. Por séculos, as histórias têm sido um refúgio para a mente humana, um bálsamo para as dores da alma.

Nos últimos anos, essa percepção ganhou um nome chique: “biblioterapia”. A ideia de que a leitura, especialmente de obras de ficção, pode ser usada como uma ferramenta terapêutica para melhorar o bem-estar e ajudar a superar momentos difíceis ganhou enorme popularidade.

Terapeutas indicam livros, clubes de leitura se tornam grupos de apoio e a promessa é linda: um remédio para a ansiedade e a depressão que não exige receita e já está na sua estante.

Mas, e se eu te dissesse que essa “farmácia” literária que você tem em casa guarda não apenas curas, mas também venenos? E se a leitura do livro errado, para a pessoa errada e no momento errado, pudesse não só deixar de ajudar, mas ativamente piorar uma condição de saúde mental?

A ciência está começando a investigar essa fronteira, e as descobertas mostram que, como todo remédio poderoso, os livros podem, sim, ter efeitos colaterais fatais.

A ‘cura’ pela ficção: como um livro pode aliviar a dor da alma

A biblioterapia criativa, como é chamada, parte de um princípio muito poderoso: a identificação. Quando estamos passando por uma fase difícil, como um divórcio ou uma depressão, e lemos uma história sobre um personagem que enfrenta os mesmos demônios, algo mágico acontece.

Nós nos sentimos menos sozinhos. A jornada do personagem, seus erros e acertos, nos oferece novas perspectivas e estratégias para lidar com nossos próprios problemas.

Como disse Elizabeth Russel, uma professora que usou a biblioterapia para superar um divórcio, “isso abriu algo dentro de mim que precisava ser aberto e curado”.

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O ‘veneno’ da página: quando a leitura se torna prejudicial

A ideia de que “ler é sempre bom” é um mito perigoso. A ciência já identificou situações em que a leitura de ficção pode ser diretamente prejudicial.

O exemplo mais chocante vem de um estudo realizado com quase 900 pessoas com histórico de transtornos alimentares.

  • O resultado alarmante: A pesquisa descobriu que, para a grande maioria dos participantes, ler livros de ficção com personagens que também sofriam de transtornos alimentares piorava seus próprios sintomas.
  • O gatilho da comparação: A pesquisadora Emily Troscianko, de Oxford, especula que, em vez de gerar empatia, essas histórias podem despertar sentimentos de competitividade sobre o corpo e os hábitos alimentares, puxando a pessoa ainda mais para dentro do ciclo obsessivo da doença.

Especialistas alertam que o mesmo pode acontecer com outras condições, como dependência química ou pensamentos suicidas.

Recomendar um livro sem conhecer profundamente o paciente e a obra pode ser “não apenas prejudicial, mas também inadequado e inútil”, como afirma o médico Andrew Schuman, do sistema de saúde britânico.

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A ‘bula’ da biblioterapia: não é o livro, é como você lê

Fica claro, então, que a biblioterapia não é uma pílula mágica. Ela é uma ferramenta complexa, e seu sucesso depende de uma série de fatores. Para usar essa “farmácia” de forma segura e eficaz, é preciso seguir a “bula”.

  1. O livro certo para a pessoa certa: Não existe uma recomendação universal. O que cura um, pode ferir o outro. A escolha da leitura deve ser cuidadosa e, de preferência, orientada.
  2. Ler é só o começo: A verdadeira terapia acontece no depois. Estudos mostram que os benefícios da leitura são imensamente potencializados quando o livro é discutido em grupo, como em um clube de leitura. Falar sobre a história nos ajuda a processar as emoções de forma segura.
  3. Você tem o direito de parar: A dica mais importante dos especialistas é: se um livro está te fazendo mal, te angustiando ou te levando para um lugar escuro, simplesmente pare de ler. A sua saúde mental vem sempre em primeiro lugar.

A ficção é, sem dúvida, um universo de infinitas possibilidades de cura e autoconhecimento. Mas, como toda força poderosa, precisa ser manuseada com sabedoria, respeito e, acima de tudo, autocompaixão.

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